O tema da liderança no universo corporativo e pessoal é um tema bastante comum na atualidade: o papel das mulheres dentro de empresas. É sabido a importância do feminino nesse meio e o esforço que a mulher fez (e faz) para conquistar cada vez mais espaço. Mas não há como olhar essa realidade sem se dar conta de que isso tem um preço – a dupla jornada que a maioria delas precisa exercer para fazer uma verdadeira “carreira de sucesso”, e esta inclui trabalho e casa.
Isso porque por mais que tenhamos uma carreira profissional brilhante e um futuro promissor, não estaremos completas se nossa própria vida pessoal, que inclui o bem-estar dos filhos, caso os tenhamos, não estiver à altura desse futuro; e sabemos que o mundo dos negócios pode ser bem mais sedutor em termos de resultados do que um futuro incerto, intrínseco à tarefas de construir família e educar os filhos; com esses, definitivamente, não saberemos os resultados – nem a médio e, quem dirá, a longo prazo.
Mas, como dar conta de equilibrar os pratos nessas duas grandes empreitadas da vida se a mulher é uma só? Primeiramente, costumo dizer às mulheres divididas exatamente isso: você é uma só! Parece algo bastante óbvio, mas os discursos de heroínas exaustas, sentindo-se desempoderadas de si mesmas – típico das mulheres que exercem dupla jornada – aumentam a cada dia.
Não há receita pronta sobre como resolver essa crise, que muitas acreditam ser profissional, mas que na verdade é existencial. Para ajudar mulheres que me chegam com essas questões, começo sempre entendendo em qual fase da biografia ela se encontra. Entender que seus desafios não estão no fato de serem mulheres, mas sim, de serem humanas, parece aliviar um pouco da pressão que sentem de vários lados, principalmente, delas mesmas. Para falar desse tema, ancoro meu pensamento nas leis biográficas estudadas na Antroposofia. Uma visão científico espiritual do ser humano introduzida no início do século XX pelo austríaco Rudolf Steiner.
A cada sete anos o ser humano conclui um ciclo de vida chamado de setênio que, como o próprio nome sugere, refere-se a um período de tempo de sete anos onde todos nós conviveremos com crises e perguntas existenciais inerentes a cada fase. Assim, as dúvidas e crises profissionais que muitas mulheres relatam em determinada fase da vida, na verdade, espelham esse movimento anímico, ou seja, que vem de seus universos emocional e, também, espiritual, e que não estão relacionados com o trabalho especificamente, apesar de incluí-lo.
Na fase dos 21 aos 28 anos, correspondente ao 4º setênio de vida do ser humano, as crises femininas provavelmente estarão relacionadas com a própria dúvida dela de constituir uma família ou não, sobre ter filhos ou adiar essa decisão. Ainda que o tema dos filhos, social e culturalmente, tenha ficado cada vez para mais tarde. Nessa fase, o ímpeto por colocar seus ideais no mundo, típicos da juventude, ainda são bastante intensos, mas no fim desse ciclo há um prenúncio da dúvida: “Será que coloquei meus ideais da juventude no mundo?”, evidenciando a chamada crise dos talentos, dentro do contexto antroposófico.
No setênio seguinte, período de 28 aos 35 anos, a sensação de autonomia e poder conquistados na vida estão bastante presentes, a consciência sobre si mesma está aumentada e a vitalidade do corpo físico estão no auge. Tanta potência faz da mulher uma máquina poderosa, que começa a questionar valores, crenças e tudo que lutou para conseguir até então. Com tanta força interior, muitas mulheres adiam a maternidade e colocam essa energia no trabalho, esquecendo-se do tempo e focando em estabilizar-se profissionalmente. Mas a casa dos 30 anos, apesar da mulher ainda ser bastante jovem, a balança sobre a construção de seu futuro. As vozes ouvidas desde a infância, que colocaram valores culturais, sociais e familiares, principalmente sobre constituição de uma família, começam a se tornar mais ruidosas. Tudo isso junto terá reflexos na vida profissional, que pode passar por uma crise. As que optaram por ter filhos nessa fase, não saem ilesas, passam pelos desafios de deixá-los sob cuidados de outra pessoa ou conciliar com parceiro as demandas relacionadas à rotina dos filhos e da casa, mas é inevitável que existam momentos em que pareçam que os pratos vão cair.
Dos 35 aos 42 anos, inicia-se a fase de autoconsciência, ainda que a mulher queira bem-estar, reconhecimento e bens materiais, tudo que a profissão pode conquistar, também anseia afeto, família, ou uma companhia para conversar sobre a vida quando chega em casa cansada, alguém íntimo o suficiente para ficar com ela um final de semana inteiro só de pijamas. Subir na escala profissional inclui pressão, mais trabalho e mais responsabilidade e ter alguém para compartilhar tudo isso torna-se uma necessidade. Se não construiu esse tipo de relação ou se construiu mas não encontra seus ideais de relação familiar com tal pessoa, os ruídos começam a aparecer, afetando o relacionamento e, consequentemente, o desempenho no trabalho.
Nessa fase há ainda mais um ponto, que pode ser desfavorável quando olhado apenas por um ângulo: a mulher perde a vitalidade e começa a sentir, na pele e na disposição, o declínio de sua curva de energia vital, marcado por rugas e mais cansaço. A crise dos 40 anos, apesar de ultrapassada, ainda afeta mulheres. Além dos fatores emocionais, os fatores hormonais, naturais da idade, trazem efeitos ainda mais intensos aos problemas cotidianos do trabalho, da casa e com filhos, e aquelas que não realizaram a maternidade, sentem uma preocupação sobre o relógio biológico; decisões como congelamento de óvulos ou optar por não ser mãe, podem roubar mais energia, e noites de sono dela. Não é necessário dizer que isso se reflete no trabalho. Um outro fator comum nessa fase é a necessidade de certo isolamento social, é a necessidade de se ouvir mais, escutar seu mestre interior, e o trabalho, com seu social quase obrigatório, ganha um peso negativo. A crise de autenticidade vivida por todo ser humano nessa fase da vida reflete-se em todas as outras esferas. Mas antes de achar que tudo é ruim, essa fase é um limiar de expansão de consciência e quem a transcende de forma autoconsciente, consegue encontrar um sentido novo para sua existência. Parece que ela é um preparo para o próximo setênio, dos 42 aos 49 anos, o início de um ciclo de transformação.
Nessa fase, a mulher entra em contato com insights, criatividade, inspirações e sua percepção fica claramente mais aguçada. Os relacionamentos ficam mais importantes pelas trocas, até mesmo com os filhos, que normalmente já estão um pouco maiores. Muitas mulheres mudam de carreira nessa fase, é uma necessidade de fazer fluir tudo que esteve parado até então. Parece que a mulher se dá o direito de usufruir de prazeres, inclusive os materiais, conquistados durante anos. Arte e espiritualidade ganham holofotes e serão suporte para enfrentar os desafios. Tudo isso é um preparo para a próxima fase da vida, dos 49 aos 56 anos, onde há um salto de consciência e o materialismo exacerbado perderá, naturalmente, sua força.
Se a mulher viveu para o trabalho a vida inteira, muito difícil que se mantenha exclusivamente nesse posto agora. A necessidade de bem-estar, inclusive pela maior sensação de fragilidade do corpo, faz com que ela equilibre as solicitações e encontre um novo tipo de eficiência. Caso desrespeite essa fase, questões de saúde despontarão, mais cedo ou mais tarde, trazendo outros gatilhos. O simples passa a ter mais importância na vida.
Segundo Edna Andrade, que fala sobre as fases da biografia humana: “Nesta fase, as forças mercuriais, relacionadas à criatividade, podem trazer um direcionamento para um novo projeto de vida. Aos 55 anos e meio, o terceiro nó lunar da biografia é como uma rotatória com várias saídas, onde descobrimos forças arquetípicas, modelos de forças no nosso campo da consciência expandida; entre 42 aos 49 anos, intensificamos tais forças, mas agora descobrimos que ela vive em nosso ser.”
É claro que a vida continua depois disso, mas não mais a mesma. Por isso, pararei por aqui. Meu objetivo nesse artigo foi relacionar o caminho biográfico humano às crises profissionais, trazendo maior clareza sobre temas inerentes ao ser humano e que, se olhados isoladamente, colocam a mulher em uma fragilidade maior do que a real. As mulheres são mais maternais, delicadas, protetoras e acolhedoras, sim, ainda que com tônicas diferentes, pois o feminino que reside em maior força nelas atua dessa forma, mas não são exclusivamente estas qualidades que tornam o equilíbrio da vida profissional e pessoal mais difíceis para elas. A dificuldade existe para todo ser humano, homens e mulheres, e entender os setênios e suas crises de desenvolvimento naturais nos ajudam a derrubar barreiras, desmistificar conceitos, dogmas e diminuir o preconceito.
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